sábado, 3 de março de 2007

Fiquei marreco de tanto ter medo

De momento, dá vontade de ir dar uma viagem bem longe. De pegar num carro, encontrar alguém tão maluco quanto eu, e apenas vaguear por aí. Comprar uma máquina fotográfica e filmar tudo. Captar todos os momentos. Relembrar todas as recordações. Marcar todos os segundos juntos. Gravar todos os sorrisos dados. Todas as asneiras feitas. Todos os sentimentos de ouro.
E contudo, não passamos duns marrecos. Sempre a olhar por onde andamos. Sempre a ter cuidado por onde vamos. A esconder o nosso telemóvel. A olhar pelo ombro com medo que alguém nos roube. Parados num café a conversar com alguém. Façam algo que eu fiz, quando estive num café a bem pouco. Olhem a vossa volta, com atenção, e verão um mundo nunca antes visto.
Olhei a minha volta e vi. Um velho a ler um jornal e as suas mãos a tremerem a todo o tempo. Um sujeito mal vestido a falar sozinho e a tirar da sua mala comprimidos e comida, com todo o cuidado, como se pegasse numa cara obra de arte. Uma rapariga a sorrir e beber do seu copo de água mineral com o dedo mindinho levantado. Um estudante concentrado a olhar para o seu portátil sem retirar a vista do monitor azul. Um miúdo a pedir dinheiro e incessantemente a pedir mais e mais, sem sair do pé de quem ainda não lhe deu nada. Dois idosos a falar de um jogo de futebol e a perguntar vezes e vezes se o outro se lembra. Um rapaz a bater coro a uma rapariga. Outro a fazer um origami de papel quadriculado para passar o tempo. Dois apaixonados a trocar beijos e mais beijos como se nunca o tivessem feito. Uns a mexer no telemóvel, outros a olhar para jornais e revistas, outros a conversar. E eu, sozinho a vê-los todos, numa espécie de teatro. Todos com o seu pequeno papel e o seu mundo só deles. Cada um sabendo de si, cada um preocupado consigo. E eu comigo.
O mundo visto num café. E como disse, fiquei marreco do medo. Por olhar para o chão a toda a hora, a espera de encontrar uma moeda perdida. A espera de não tropeçar. Falhei o carro a alta velocidade que não se preocupou com a passadeira que estou a pisar. Dá que pensar se a vida é um sonho ou somos nós que ainda não aprendemos a distinguir a imaginação da realidade.

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