quinta-feira, 8 de março de 2007

História por acabar: O dia que me marcou como o “Rápido”

Se acredito que me irei esquecer de recordações, pelo menos que não esqueça esta! Lembro-me agora deste ano, do outro e do outro, mas sei que daqui a vinte anos, provavelmente esquecerei me de tudo. É pena, porque adorava não esquecer o beijo que recebi daquela rapariga, o susto que preguei aquele amigo, o segredo que deixou de o ser. São momentos, sensações que o tempo acaba por matar lentamente, tirando-os das nossas recordações, nossas paixões, nossos amores. Não somos como computadores que podem guardar recordações em CDs ou disquetes. Apesar de tudo podemos imortaliza-los em escritos, pequenas histórias de folha e meio num portfólio de Português. Agradecendo este convite, escrevo assim uma recordação que para mim será uma das mais grandiosas a manter na minha mente. (Confesso que não me lembrava de todos os acontecimentos desta história e que acabei por ir ver ao diário que escrevia quando era criança, mas que infelizmente parei, alegando não ter tempo.)

Um dia, um dia de verão ou primavera, algo que não é muito relevante para a narração desta história, acontece que estava um calor infernal e não tínhamos aulas a tarde. Tinha eu uns nove anos, e pelo que me dizem era um rapaz muito agitado, simpático e bonito, (coisas que continuo a ser, exceptuando o bonito que perdi aos meus treze anos, possível idade em que as hormonas entraram em acção). Lembro-me que sorria muito, (talvez isso explique a razão de hoje ter um sorriso bonito), sei que gostava de andar pelo recreio e que não gostava das aulas nem da professora. A verdade é que eu era um pouco diferente, não gostava de jogar futebol, e não tinha muitos amigos. Apesar de tudo os que tinha eram me muito chegados, e os que julgava não ter apreciavam a minha companhia. Não me lembro de fazer grandes “maluqueiras”, e que as minhas festas de anos eram muito curtas mas sempre engraçadas. Apesar de tudo o que mais me mudou foi a famosa tarde sem aulas.
Era, como já disse uma quente tarde. Por uma razão que ainda desconheço ambas as turmas do quarto ano não tinham aulas, a “A” e a “B”, sendo eu da “B”, (ainda me recordo das brincadeiras que fazíamos das duas siglas, nós dizíamos que a turma A era de anormais, e os da A diziam que a B era de burros). Acontece que, todos no recreio, dirigimo-nos instintivamente para o campo de futebol. Apesar de não gostar de estar no campo fui, relutante sobre o que se iria fazer. Esperando claro, que não fosse futebol! Por sorte, não havia bola. Sem bola e com 1 km2 a nossa frente alguém, (juro que não eu!) lembrou-se de jogar, um dos jogos mais mirabolantes de sempre. “Quem tem medo do preto?” Supondo que o leitor não conhece este jogo, vou fazer uma breve explicação:

Bom, o nome deste jogo é “Quem tem medo do preto?”, (devido a questões racistas e morais, o nome foi mudado para leão, e assim esquecendo as origens das quais aprendi este jogo usarei o nome de leão). É necessário um lugar plano, um campo de futebol é adequado. Ora o objectivo do jogo é simplesmente correr de uma baliza para a outra. Acontece que, uma pessoa, escolhida ao acaso é posta no meio do campo. Este grita: “Quem tem medo do leão?” e a resposta segue-se “Ninguém!”. Assim as pessoas que aguardam de um lado do campo para correr para outro, (não importa o número mas quantos mais melhores). O leão, aquele que está no meio do campo, tenta, sozinho apanhar aqueles que correm para o outro lado. Quando todos chegam ao outro lado, acaba a primeira ronda. Aqueles que forem apanhados, passam a ficar com o leão. O jogo segue-se e acaba quando só houver uma pessoa que ainda não faz parte da equipa do leão. Esse será declarado o vencedor.
Jogo simples, que me apaixonei em criança, e que acabou por me dar o “cognome” de rápido.
Ora, acontece que foi decidido jogar esse jogo. Éramos cerca de sessenta pessoas, o que dava logo uma ideia que aquele seria um dos melhores jogos de sempre. O jogo começou, uma pessoa no meio a apanhar, e nós a fugir dele. Lentamente um a um todos começaram a ser apanhados. Primeiro os mais lentos depois os mais rápidos. Só restavam três. Sendo eu um deles! Olhei para os lados, no direito vi um dos rapazes mais altos de sempre, (rapaz esse que nunca mais vi na minha vida) e do outro um rapaz baixo de nome…Duarte penso eu. O Duarte vai a correr, passa por um, passa por outro, é apanhado. O rapaz alto olha para mim e diz: “Boa sorte!” e vai a correr mas é logo apanhado. Cabe me a mim, agora perante umas cinquenta pessoas, passar por elas e marcar o meu lugar no que julgo ser a história daquele jogo.
Comecei a rondar a linha do campo de futebol de lado a outro vendo a melhor zona para passar. Mas apesar de o campo ser tão extenso, (pelo menos para a altura pois ainda a pouco foi visitar a escola e pareceu-me um campo pequeníssimo) este estava coberto de pessoas “estoiradas” com uma vontade de me apanharem. Tinha de iniciar a corrida e assim fiz. A correr a uma velocidade extraordinária passei pelo campo todo e via agora o fim da corrida. Mas esperando por mim encontrava-se um dos rapazes mais rápidos de sempre. O Vasco Veríssimo, grande amigo de infância meu. Já ambos havíamos competido varias vezes e eu sabia que o Vasco era superior a mim e que sem dúvida eu iria perder. Mas não podia desistir. Avancei esperançoso para o fim. Já atrás de mim Vasco corria a uma velocidade enorme. Cinco metros, quatro metros, três metros, (ainda nem acredito os nervos que teria na altura!) dois metros, um metro, estava feito ia ser apanhado, mas...um buraco, um mísero buraco mudou-me o destino. O Vasco concentrado em mim não viu, um pequeno buraco no chão e acabou por tropeçar, e eu agora a frente do fim ganhei! Só me lembro de olhares sobre mim e eu mais que estoirado a olhar sobre eles. Alguém, que penso que não sabia o meu nome, chamou-me “O Rápido”. Eventualmente o tempo passou, e todos se esqueceram daquele momento, só ficou uma recordação, o nome de Rápido.
“O Rápido”, que é o que ainda hoje os meus amigos chegados dizem quando me vem.
Para mim esse dia marcou-me a ferro a fogo, e mudei. Espero nunca esquecer esta e outras recordações, mas como José Gomes Ferreira diz “Para quem viver não é recordar...”.

1 comentário:

Queenie disse...

Que bela história... estava entusiasmada á espera do final.

Well done Rápido :P

Bjs