quinta-feira, 15 de março de 2007

História por acabar: “Os Maias” Visão da obra

Vou, desde já explicar a minha conclusão final da obra de Eça de Queirós: Apreciei o livro, e recomendo vivamente a todos os que sabem apreciar um bom livro. E contudo, tive graves dificuldades em começar a ler esse livro. Primeiro pelas 500 e tal páginas, e pela escrita não muito actual. Ou pelo menos era assim que eu pensava. Ao aprofundar-me no livro descobri que as páginas não eram um problema e que a escrita era mais que actual. O livro trata uma sociedade em decadência, que sem dúvida se trata da nossa actualmente. Em que muitos de nós julgamos ter boas ideias na mente e vontade de mudar o mundo, e contudo, não fazemos nada para por em prática tais sonhos e ideias em comum. E este é o tema que mais me tocou.
Acho que todos nós passamos por essa fase. Em que julgamos que uma pessoa pode fazer a diferença. Em que comentamos tudo e todos. Dizemos mal da nossa sociedade e começamos a acreditar piamente nas nossas convicções. Acreditamos que existe uma solução para este nosso mundo. Conhecemos pessoas que partilham da mesma opinião e decidimos mudar o mundo. Tomamos uma posição ao afirmarmos o pouco que podemos fazer. Acreditamos que um dia vamos fazer algo. Que um dia vamos a uma missão. Que um dia vamos ajudar um mendigo e ele vai nos agradecer toda a nossa vida. Que um dia vamos ser alguém no mundo.
Mas, lentamente, percebemos que realmente se trata de um sonho. E que sonho! Acreditarmos verdadeiramente que um dia o mundo vai nos estar grato. Acreditarmos piamente que vamos encontrar a cura para uma doença mortal. Que um dia vamos para uma guerra, salvar alguém inocente, lutar do lado justo, iniciar uma revolução por um mundo melhor que vamos… Vamos o quê? A verdade vem ao de cima e percebemos que não, que realmente não o vamos fazer. E porquê? Falta de convicção? Falta de gosto? Falta de tempo? De tudo um pouco. Encontramos justificações para parar tudo o que poderíamos e gostaríamos de fazer. E no fim, nada fazemos. Crescemos? Talvez. Talvez o crescer que eu, e tantos outros ansiamos, seja apenas uma maneira mais leve de dizer: Acredites no que acreditares, também tu vais virar mais um.
E ser mais um, que desgraça de realidade. Quem me dera a mim nunca admitir que era mais um. Tão frágil, tão único, tão fraco. Como todos os outros. Exposto a doenças, guerras e corrupção constante. Por muita personalidade, carácter, que eu tenha, este não me vai valer para nada. Nada! No meu mundo, mundo de estudante, o carácter de nada serve. São as notas apenas. A capacidade que temos para marrar e marrar faz de nós ser alguém. E que alguém meu Deus? Ninguém. Apenas um tipo que estuda até se fartar e depois tem boas notas. Definem as notas a pessoa? Não. Conheço pessoas que estudam muito, e nunca passaram de uns tímidos com pouca integração. Podem enunciar todas as fórmulas químicas inimagináveis e contudo, bloqueiam perante uma plateia. Na mente preenchida, falta a integridade, falta o carácter, falta a coragem. Por muito que estudem, ninguém lhes ensina a não ter conversas fúteis, ou a conseguir não corar quando se sentem ameaçadas. E quando falo de quem tem boas notas, falo da generalidade, mas não do total de pessoas que têm boas notas, já conheci pessoas muito estudiosas, e inteligentes e integras no mundo jovial e fora do estudantil, apesar de raras, existem.
Tudo isto para martelar mais uma vez, numa realidade que me preocupa: a minha. Sempre fui um rapaz de princípios. Sempre acreditei no que queria. Sempre defendi aquilo que acreditava. Mas neste meu mundo, já me desiludiu varias vezes. Sempre quis defender os fracos, mas já dei por mim a ver um rapaz em apuros e não o ajudei. Porquê? Porque tinha medo de me fazerem mal a mim, até senti uma certa felicidade de estarem a fazer mal a ele, e não a mim. Sempre quis dizer aquilo que acreditava e lutar pelas minhas convicções, mas já dei por mim varias vezes a manter silêncio quando podia falar. Porquê? Porque era possível sentir me embaraçado, silenciado ou mesmo gozado pelos meus amigos. Sempre quis dispensar o mínimo possível para dar aos mais necessitados, mas já dei por mim a cobiçar toda e qualquer moeda que tenha mão, para a poder gastar em algo fútil e desnecessário. Porquê? Porque sou humano.
E que raio, não somos todos humanos? E quem são esses seres humanos? Como disse uns dois parágrafos acima, somos uma raça frágil e cuidadosa. Tentamos e tentamos lutar por sobreviver mais um segundo, mais um dia, mais um mês, mais um ano, mais uma década, mais um século. E porquê? Porque fazemos todos por sobreviver? Porque abdicamos daquilo que está certo? Porque queremos nos manter vivos? Porque queremos nos integrar numa sociedade cheia de defeitos? E de um segundo para outro, deixamos de ver os defeitos na nossa sociedade e esforçamo-nos para nos integrar. Esquecemos todos os nossos ideais e todas as nossas convicções. Tudo morre num segundo em que queremos ser cidadãos. Tudo morre num segundo em que admitimos ser humanos. Como alguém outrora disse: “Todos morrem, mas poucos sobrevivem.” Agora, depois de ler “Os Maias” percebo, que não basta acreditar em algo, é preciso viver segundo aquilo que acreditamos, e tudo fazer por esse sonho.
Voltando então a essa obra que me fez escrever este pequeno comentário ou observação a esta obra, temos a personagem Carlos da Maia. Como ela, também eu acreditei na mudança do mundo, num lugar melhor. Numa sociedade mais justa. Mas tal como ele, deixei me levar por sentimentos terrenos. Também eu fui apanhado nessa mistura de imagens e sensações que me fizeram sentir que a vida calma é uma boa vida. Que lutar por um mundo melhor não é algo tão fácil. Ou mesmo que seja, tal como ele, também eu prefiro estar parado no meu sono e descontracção. Como Carlos de Maia, que fumava no seu consultório para descontrair, também eu “fumo” o que quer seja para poder esquecer o fim de mais um dia, pouco ou nada proveitoso. E esse “fumar” toma milhares de formas, desde ver televisão, jogar computador, jogar futebol, sair a noite, divertir-me, beber mais uma Coca-Cola, ou ir passear as docas. Todos nós temos esse fumo traiçoeiro que nos tira a vontade de fazermos algo de útil, de lutarmos pelo que é justo e que vale á pena, de nos mexermos e sermos alguém.
E como Carlos da Maia e Ega disseram, também eu falhei na vida. A minha única esperança, é que ainda sou novo, e que a vida dá muitas voltas.

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