sábado, 23 de junho de 2007

Canto sem Encanto: Estranho negro

Era estranho. Era preto. Falava sozinho. Mexia-se pouco. Era quase careca. Tinha pouco cabelo e era branco. Tinha um sinal grande sobre o olho esquerdo. Falava sozinho coçando a cabeça com a mão direita. Olhava para um ponto indefinido. Falava. Olhava para a mala. A mala era preta e suja. Olhava para dentro da mala repetidas vezes. Confirmava se estava tudo com ele. Olhava mais uma vez para as pessoas. Era pequeno e estava sentado sozinho. Numa mesa só para ele e com a mala em cima. Levantou-se. Deixou a mala na mesa. Mal deu dois passos olhou para a mala. Parecia ter medo que ela fugisse. Andava e olhava para a mala. Confirmava se estava no lugar e voltava a virar costas. Olhava. Andava. Olhava para a mala. Andava para o restaurante.
Pagou uma garrafa de água fresca. Sentou-se. Já não queria saber da mala. Agarrava a garrafa. Resfriava as mãos com ela. Falava sozinho mais uma vez. Coçava a cabeça uma e outra vez. Olhava para as pessoas. Era estranho. Eu via-o. A dois metros de distância. Ele olhava para todo o lado menos para mim. Parecia não se importar que o olhassem. Vivia no seu mundo á parte. Não queria saber de nada nem ninguém. Tirou um livro da mala. Abriu-o. Tirou da mala uma sandes entre guardanapos. Abriu-a cuidadosamente. Comeu a sandes. Fechou os guardanapos cuidadosamente. Abriu a garrafa. Bebeu um pouco. Ainda falava sozinho. Tirou da mala outro livro. Coçava a cabeça com a mão direita e segurava o livro com a direita. Na aba do livro conseguia-se ler:
“Matemática avançada.”
Era estranho o senhor.

Sem comentários: