segunda-feira, 9 de julho de 2007

Diário de uma dança

“Ela era linda. Olhava para mim sem problemas ou vergonhas. Eu não. Eu estava nervoso e cheio de medo. A dança não é o meu forte. Mas ali, forçado a dançar com a beleza, deixei me ir. A melodia tocou alta. Tão alta estava que parecia me querer magoar. Tocava como se gritasse contra mim bem alto para dançar. Mas ali, eu e ela a olharmo-nos, nada tocava. Não havia música. Nada se ouvia. Nada existia. Apenas cada passo de dança, tal como havia aprendido.
Desajeitado, tropeçava e tentava fazer boa figura. Dizia alto os passos de dança. Olhava para os meus pés atentamente de modo a não a pisar. Mas tudo o que tentasse fazer, apenas piorava a minha figura. Ela contudo, não se preocupou. Pediu para deixar de olhar para os seus pés, que colocasse a mão fixa nas minhas costas e que relaxasse. Os meus ossos não me obedeciam, e dentro de mim apenas uma voz ecoava, a sua.
Levantei o olhar e contemplei o seu corpo. Puxei contra mim e coloquei a minha mão nas suas costas. Abrandei a minha respiração e deixei de repetir cada passo. Ela olhava para alto, para os meus olhos. Comandava a dança. Cada passo, perfeito. Rodava e pulava para o lado angelicamente. Por vezes um erro ou dois da minha parte, mas ela nem ouvia as minhas desculpas e deixava assim a dança fluir. Sorria e sincronizava a bela dança. E eu, levado por ela, até parecia saber dançar.
Não sabia para onde olhar. Ela tinha os olhos fixos em mim. Percorria o meu corpo simultaneamente querendo que a dança fosse perfeita. Perdi-me do tempo, e a musica não teria fim. Olhei á minha volta. Todos dançavam. Também desajeitados os parceiros tentavam obedecer ao controlo delas. Elas que pareciam nascer para a dança. Nascer para se moverem de um modo tão terno e divinal. E assim a dança progredia. Tentei esquecer o facto de me sentir suar. De me sentir perto de uma falésia, como se fosse cair. E a minha única salvação, era uma mão pequena que me agarrava, e me levava a dançar com ela.
A música acabou. E ela sorria feliz. Chegou-se a mim, e disse que tinha dançado bem. Perguntou-me se queria dançar com ela no baile do final de ano. Tentei disfarçar a minha desilusão, e apenas disse:
-Não. Não danço tão bem como tu. Mas conheço quem te possa levar. Um amigo. Dança muito bem, e com o qual farás a melhor das figuras, ali, no salão a dançares.
Ela disse obrigado. Afastei-me. Não sei se ainda sorria, ou se estava triste com a minha resposta. Não nasci para dançar. Seria uma afronta dançar com alguém tão perfeito. Pois a dança é artística, mágica, flúi como a água numa corrente. Será que ela também pensa assim?”

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