segunda-feira, 25 de junho de 2007

Diário do arrependimento

“Nunca te bati. Nunca te menti. Nunca pensei duas vezes quando falava contigo. Sempre fui justo, honesto e certo. Não me obrigas-te a fazer o que fiz. És tão igual como diferente de todas as pessoas que conheci. Nunca te fiz nada que não quisesse fazer. Nunca te enganei. Nunca te quis ver chorar. Nunca te quis atingir com o que dizia. Nunca te quis magoar. Nunca pensei que seria assim. Não quis.
Mas foi como aconteceu. Hoje, és o meu único arrependimento. O tempo cura tudo. As cicatrizes desaparecem lentamente, deixando uma mísera marca que apenas eu sei encontrar. A chuva molhou-me e constipou-me, mas hoje, já nem recordo como estava. A comida, soube-me bem e mal, mas não consigo descrever nenhum dos sabores que tive o prazer de gostar. As pessoas que conheci, algumas deixei de falar, outras perderam-se no caminho, mas hoje, nenhuma delas deveria estar ao meu lado.
Apenas tu. Tu és a única coisa que mantenho na mente. Por muito tempo que passe, por muita chuva que apanhe, por muitas marcas que o meu corpo tenha, por muitos sabores e odores que aprecie, por muitas pessoas que conheci, apenas tu resistes. Como se um dia, amnésico e perdido, o teu nome ecoasse na minha mente. Como se um dia, muito depois de ter perdido a minha humanidade, tu ainda vagueasses pela minha mente, naturalmente e vivamente. És o meu único arrependimento. Nunca te quis ofender.
A culpa foi minha. Minha apenas. Não vou dizer que não. Não vou dizer que não estava sobre o controlo das minhas capacidades e atitudes quando fiz o que fiz. Não vou culpar drogas ou substâncias que me alterem. Não vou culpar a temperatura, os meus pais, á minha liberdade. Não vou culpar a minha falta de carácter, a minha falta de personalidade, o meu abuso de estupidez.
Tudo parece tão fácil quando temos alguém para por as culpas. Tudo parece tão simples. Tão acessível. Mas neste momento, não tenho nada para por as culpas em cima. Não posso dizer que te fiz mal. Que te dei fortes e continuas razoes para me abandonares. A verdade, é a culpa disto tudo, é minha. Não é possível culpar-me. Não sou o culpado. Se alguém analisa se tudo o que passamos, tudo o que dissemos, não seria capaz de me culpar a mim pelo que se passou. Fiz o que fiz, reagiste como reagiste.
Deus sabe como te tentei encontrar. Deus sabe como quando sempre que ouvia o teu nome, ou ouvia falar do sítio onde estás, eu pensava em ti. Sempre que se falava de algo que foi importante para nós, o teu nome surgia, como aquela velha cicatriz, sem vontade para desaparecer. Dizem que, apoiando-nos com novas descobertas e esforços médicos, é possível retirar essa cicatriz. Dizem que se a taparem, com algo novo, algo não deformado, ela irá desaparecer. Mas de todas as cicatrizes que tenho, és a única que nunca quero perder. Poderei talvez um dia sofrer de amnésia. Poderei talvez até ser incapaz de falar. Incapaz de me mexer. Mas espero que nunca chegue o dia em que te esqueça. Em que este arrependimento acabe. Porque quando esse dia chegar, então não serei eu. Não serei eu a controlar-me. Estarei louco, sem justiça. Parvo e idiota, como estive no dia em que te perdi. Razoes não te faltam, para teres reagido da maneira como reagiste. É uma pena. Mas hoje, somos estranhos. E o facto de hoje, não nos falarmos, é aquela cicatriz, aquela impenetrável e inquebrável. Mas de todas elas, és a única cicatriz que nenhuma operação poderá tirar. És a única recordação que nenhuma doença poderá perder. És o único sentimento que alguma vez será substituído.
Estou arrependido, mas de que vale o arrependimento se nunca poderei remediar o que fiz? Não te peço desculpa, não porque não mereço, mas porque não fiz nada de mal ou sem a minha intenção. Peço que tenhas uma boa vida, porque nunca foi minha intenção magoar-te.”

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