sábado, 12 de maio de 2007

Chega de histórias

Já chega de nos aldrabarmos uns aos outros. De nos enganarmos constantemente. De sermos masoquistas e assassinos em massa. Vamos admitir a realidade.
Somos uns incompetentes. Somos uns palhaços. A raça humana não passa de uma cambada de pobres coitados que não sabem nada de nada. Acho que já chega. Adoramos culpar os outros pelos nossos defeitos, e portanto não fazendo de mim uma excepção, vou culpar os outros pelos defeitos que esta minha humanidade representa diariamente na alma. Vou começar, portanto, a mandar as culpas para essa gente toda:
Culpo quem me educou. Ou quem se esqueceu de me educar. Quem me trocou por um programa televisivo ou uma série de televisão. Culpo a todos esses professores que nunca souberam tratar dos seus problemas, mas que julgam saber educar crianças. Culpo os pais vingativos. Aqueles que guardam ressentimentos, e que privados de um prazer quando crianças, o transmitem para os filhos. Como uma calvície ou miopia hereditária, descarregam todo em crianças inocentes, coitadas. Culpo portanto aquelas pessoas que nos deviam educar, mas que não o fizeram.
Culpo o meio onde nascemos. Culpo o sítio para onde nos mandaram. A cidade onde vivemos e todo o que temos de suportar por aqui viver. Não existem lugares perfeitos, mas existem lugares nojentos. Para aqueles, nascidos e criados numa zona modesta, arrisco-me a dizer mesmo, rica. Não foi este o lugar que escolheram. Se calhar preferiam ter vivido num mundo mais pobre para aprender a lutar pelo dinheiro. Se calhar preferiam ser menos fiteiros, habituado a tanto amor e preocupação. Gostavam de ser pobres? E se o fossem, provavelmente gostariam de ter dinheiro e não serem pobres. Portanto, que venha daí as culpas para essa dúvida eterna. Que venha daí a falsa modestia e a ironia dos ricos. E que seja dada a culpa para essa doença hereditária e imortal. Aquela doença que nos faz nunca estar feliz onde estamos, com o que temos e com quem estamos. Aquela doença que nos faz nunca ser felizes.
Culpo as guerras, política e conhecimento. Todos eles a um palmo da mente de uma criança. Basta esticar as mãos ou escutar, para termos a versão real da nossa Terra. Culpo essa informação em massa. Culpo o “século da informação”. Culpo a rapidez com que uma notícia passa de um canto do planeta para outro. Culpo a liberdade de expressão e o racismo. Culpo a maneira como qualquer anormal pode dizer o que quiser do mundo. Escrevendo em paredes ou criando um blog da treta. Mas não vou falar apenas de mim.
Continuo a culpar. Culpo por fim, nos mesmos, nos todos, que fomos mal habituados. Que erro crasso! Habituados a acreditar que tudo está á mão, e que todos podemos ser famosos. Fomos mal habituados. Ligamos a televisão e qualquer anormal é famoso. Qualquer palhaço lança um CD. Qualquer inspirado escreve um livro. Qualquer fantoche governa um país. Será este mundo aquele que escolhemos para nós? Não. A resposta é que o mundo não se escolhe. Fomos mandados para aqui. Cada um no seu caminho, cada um feito parvo á procura de uma razão. Quando não existe razão. Quando é uma perda de tempo.
Qualquer parvo consegue culpar tudo e todos pela sua tristeza. Mas poucos conseguem admitir: estamos a perder tempo. E chega de histórias? Se um dia tivermos um emprego rasco e desprezado? Teremos de ser infelizes? Se um dia estivermos perdidos e sem amigos? Teremos de chorar pelo que já não temos? Se um dia perdermos todo o dinheiro? Teremos de nos suicidar? Acho que no fundo, a verdadeira razão para isto tudo, escapasse ao nosso lado. Só cá estamos uma vez. Só uma vez. E não sei quanto ao resto da humanidade, mas eu não quero chegar um dia, já velho e coxo, a dizer:
“Se pudesse voltar atrás…”
Portanto, chega de culpar os outros, e que venha daí essa vida que tantos indignam e desprezam. Que venha daí a realidade e a felicidade. A dor e o sabor. O sabor que ainda estamos vivos.

Sem comentários: